O Amante
Viu ontem uma referência a “O Amante” de Marguerite Duras e, num flash que lhe trespassou a memória, daqueles mais profundos, recordou a primeira vez que ouviu a palavra, estranha, ao tempo. Tinha quatro anos? Nem tanto.
Estava a avó no quarto contíguo ao do avô, onde dormia sozinha com a doença, deitada, e ao seu lado a Sra. D.ª T. Esta era uma visita habitual, morava no Porto, de meia idade, sempre bem arranjada e era solteira ou viúva... Em silêncio, de olhar grave ali estava, sentada numa cadeira à cabeceira da cama, fazendo companhia à avó. E com os dedos repletos de anéis (lembra-se de um que fazia lembrar uma bolota).
E foi aí que a avó B., sem se erguer, lhe fez a pergunta. Uma pergunta cruelmente indiscreta, mas que a curiosidade da enferma que passava os dias praticamente naquele quarto, e que a simplicidade de pessoa do campo, sem malícia, deixaram escapar: “A Sra. tem algum amante?”
A Sra. T. Continuou imóvel e com o mesmo olhar respondeu: “Não”. E B. novamente: “Há vejo-a com os anéis... pensei...”. E mais nada se disse.
Estava a avó no quarto contíguo ao do avô, onde dormia sozinha com a doença, deitada, e ao seu lado a Sra. D.ª T. Esta era uma visita habitual, morava no Porto, de meia idade, sempre bem arranjada e era solteira ou viúva... Em silêncio, de olhar grave ali estava, sentada numa cadeira à cabeceira da cama, fazendo companhia à avó. E com os dedos repletos de anéis (lembra-se de um que fazia lembrar uma bolota).
E foi aí que a avó B., sem se erguer, lhe fez a pergunta. Uma pergunta cruelmente indiscreta, mas que a curiosidade da enferma que passava os dias praticamente naquele quarto, e que a simplicidade de pessoa do campo, sem malícia, deixaram escapar: “A Sra. tem algum amante?”
A Sra. T. Continuou imóvel e com o mesmo olhar respondeu: “Não”. E B. novamente: “Há vejo-a com os anéis... pensei...”. E mais nada se disse.
E ouviu essa palavra pronunciada pela avó B. pela primeira vez na sua ainda curta vida. Um som vazio, sem sentido, mas que pensa ter associado à palavra “homem”, ou “animal”, talvez pelo género do pronome indefinido que a precedeu.
Mas que estranha palavra, nova, melodiosa, que lhe ficou ali a bailar nos ouvidos. Curiosamente não se esqueceu desse episódio distante. Talvez tenha percebido algum incómodo no ar, algum arrependimento, ou simplesmente porque adormeceu, ao lado da sua avó, e sonhou com bolotas, dedos e homens e animais estranhos...
Mas que estranha palavra, nova, melodiosa, que lhe ficou ali a bailar nos ouvidos. Curiosamente não se esqueceu desse episódio distante. Talvez tenha percebido algum incómodo no ar, algum arrependimento, ou simplesmente porque adormeceu, ao lado da sua avó, e sonhou com bolotas, dedos e homens e animais estranhos...
2 Comments:
Andas com muito trabalho ou em grandes férias! Só assim se justifica o silencio cortante que se instalou desde o dia do teu ultimo post.
Bem...podem ate os motivos ser outros, espero que sejam os melhores motivos do mundo!
Adorei!
Acho que ias gostar de ler Paul Auster.
Se quiseres, sugiro-te um título ou conto-te um acaso austeriano, ou meu.
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