A cadela, o gato e a emissão de rádio
Estava eu, hoje mesmo, à entrada de uma casa onde esta madrugada falecera uma pessoa, conversando com a família, entre vários amigos. No outro lado da rua surge uma vizinha da finada, subindo o passeio, ainda alheada da situação. De fato azul e chapéu da mesma cor dos sapatos castanhos, ar cuidado e porte aprumado, empurrava um carrinho de supermercado com vários sacos lá dentro. Ao deparar-se com o aparato na casa da vizinha, encostou o carrinho a um automóvel estacionado e atravessou a rua perguntando o que se passava. Na mão direita segurava um pequeno saco preto, na esquerda um bolo com creme, embrulhado em papel pardo, meio amassado. Seguiam-na uma enorme cadela preta, uma gato preto e o som disforme de uma emissão de rádio.
Abeirando-se de nós deixou cair os óculos escuros, que alguém prontamente apanhou. Abriu o saco, retirou um pequeno rádio preto barulhento: "deixem-me desligar esta coisa", e entrou. À saída, já com o saco preto cheio de creme, e nas mãos ainda os óculos, que apresentavam agora também vestígios do bolo, despediu-se a lacrimejar. Atravessou a rua à procura do carrinho, que o dono do automóvel (também da família da defunta) mudara de sítio. Lá seguiu, empurrando o carrinho em direcção à mercearia, perseguida pela cadela, pelo gato e pelo rádio no saco com chantilly, ainda desligado, suspenso nos pulsos.
Abeirando-se de nós deixou cair os óculos escuros, que alguém prontamente apanhou. Abriu o saco, retirou um pequeno rádio preto barulhento: "deixem-me desligar esta coisa", e entrou. À saída, já com o saco preto cheio de creme, e nas mãos ainda os óculos, que apresentavam agora também vestígios do bolo, despediu-se a lacrimejar. Atravessou a rua à procura do carrinho, que o dono do automóvel (também da família da defunta) mudara de sítio. Lá seguiu, empurrando o carrinho em direcção à mercearia, perseguida pela cadela, pelo gato e pelo rádio no saco com chantilly, ainda desligado, suspenso nos pulsos.
1 Comments:
Caro Mestre
Ja li e reli este breve texto, pura poesia sem rimas, escreves muito bem e és mordaz! Onde andarás? Bem espero! Até à vista!
Bom 2006
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