Sobes as escadas sem sentires os pés ou a pedra fria. Uma aragem cortante vinda de parte nenhuma trespassa-te e sentes-te a desfalecer por momentos. Ergues violentamente a cabeça, precisas de estar mais consciente do que nunca, não te podes deixar ficar para trás... Agora não... Outra vez não...
Faltam menos de vinte degraus. A luz fraca vai aumentando e projectando a sombra do teu corpo hesitante até onde se avistam os degraus atrás de ti, antes de se perderem na penumbra. Um nova aragem entranha-se em ti e um calafrio percorre-te os ossos, desaparecendo na ponta dos dedos. Estás quase a chegar, a luz intensifica-se ligeiramente. Sentes cada vez com mais força a sua presença, estás mais perto, e o terror vai-se apoderando de ti. Transpiras agora ligeiramente e sentes frio. Estás a arfar cada vez mais, de cansaço e de pavor. A luz, mais forte mas sempre ténue, já te ilumina o rosto. Sentes-te desfalecer de novo. Não, não podes parar, não podes fechar olhos ou cais para trás no abismo.
Estás a um passo do corredor, onde estiveste ontem, durante o dia, e sentiste aquele ar frio que soprava, gélido, das paredes. Estás quase no topo, por momentos paralisas, avanças de novo, e de novo, e passas o último degrau quando a vês... sentes os músculos paralisarem, um a um. Respiras de forma ofegante e transpiras enquanto sentes novamente aquele sopro glaciar. E lá está ela, de pé, no outro extremo do corredor, envolta na luz ténue, de vestido cinzento e o cabelo apanhado, como sempre a conheceste.
Agora o rosto é pálido, quase branco, só olhos emergem, escuros e fortes, cravando-se fixamente nos teus. Alguns cabelos soltos, juntos às orelhas esvoaçam ligeiramente, a única vida que corre naquela silhueta perdida, de dedos cruzados, sob o peito, mostrando umas mãos alvas, menos vivas que a face. À sua volta mantém-se a única luz, mortiça como que saindo dos últimos momentos de vida de uma vela. Absolutamente imóvel, contempla-te, perfura-te, penetra os teus olhos com o furor de uma tempestade.
Sentes o delírio da morte, um poder infinitamente terrível ameaçando-te. Continua como que dentro de ti, absorvendo-te; envolves-te, quase perdido e sem retorno na imagem daquele espectro, tão real como tu. Está ali, à tua frente, imóvel, frio, cortante, espalhando o horror no olhar petrificado e devastador...