domingo, abril 15, 2007

A marcar zero

Estás perdida no meio de tudo e de nada. Na pequena praça do jardim no coração da cidade, mas sem razão ou motivo para te perderes. Fumas um cigarro fino que há pouco enrolaste, erguendo lentamente o braço e levando-o aos lábios ressequidos. Salientas a magreza do teu rosto pálido quando aspiras contra os dedos amarelecidos. Um rosto gasto pelo tempo e pelo desalento, marcado por três ou quatro décadas de existência mal vivida. A cor é a mesma do chão em que te manténs erguida e os teus olhos, imóveis, olham para um qualquer mundo irreal, ou para recordações de outrora.

Aos teus pés está uma balança quadrada, dessas que cá se usam todos os dias nas casas de cada um para agarrar a elegância. Num pequeno mostrador digital marca-se "zero". É este o teu trabalho, aguardar que alguém surja e peça para se pesar a troco de algum dinheiro. É esse o teu ganha-pão, tão irreal como tu. E assim continuas imóvel e indiferente, apenas mexendo o braço e contraindo o rosto. Há mais de meia-hora que te vejo nesse local onde não moveste os pés um único centímetro e sem que um cliente te solicite. És uma estátua de pedra nesse jardim. Não existes, só podes ser irreal, uma ilusão que marca pela negativa singularidade.